Série conhecendo o Pai Nosso - O pão nosso de cada dia nos dá hoje (6)

Esta expressão deve também ser lida à luz da teologia do Reino. Falar do pão é falar do Reino. Mas, antes de entrarmos na discussão da petição, precisamos falar um pouco sobre a tradução desta passagem.

Como é do conhecimento geral o Novo Testamento foi escrito na língua grega. Só que não se usou o grego clássico, mas sim um tipo de grego chamado “Koiné”. Esse grego era a língua popular, com muitas misturas e influências dos vocábulos populares e até de outras línguas. Assim, temos algumas palav
ras que são pouco usadas no Novo Testamento e que eram usadas pelo povo mas não apareciam nos clássicos. Estas palavras são difíceis de traduzir, devido a não conseguirmos saber como o povo da época usava estas palavras.

Na oração do Pai Nosso, nesta petição que estamos estudando, temos uma palavra assim. A palavra que em nossas Bíblias aparece traduzidas por “...de cada dia...” só aparece duas vezes no Novo Testamento, e as duas na oração do Pai Nosso (em Mateus e Lucas). Esta palavra apresenta algumas possibilidades diferentes de tradução. Ela pode ser traduzida como “de cada” ou “cotidiano” ou ainda de amanhã”.

A primeira e a segunda possibilidade são quase sinônimas, ou seja, não apresentam diferenças maiores. Já a terceira possibilidade muda totalmente o sentido da tradução. As duas primeiras formas fazem sentido para a oração vistas separadamente das outras petições, no sentido de se lutar contra a ganância e a fome de ter as coisas além de nossas reais necessidades. Uma luta contra o capitalismo desenfreado, onde sempre se quer mais, onde ter é mais importante do que ser. Tal ideologia está sendo amplamente difundida até nas igrejas “evangélicas”.

Mas à luz do Reino de Deus, a melhor tradução seria: “o pão nosso de amanhã nos dá hoje”. Por que isso? Quando falamos da cultura semita devemos retomar alguns valores desses povos entre eles o povo judeu. A refeição era um momento muito importante. Por isso, não se sentavam à mesa pessoas que não tivessem um relacionamento muito profundo com o dono da casa. Por isso, dentro das expectativas do povo em relação ao “Dia de Javé”, ou para os cristãos mais precisamente o “O Reino de Deus”, havia a certeza que a vitória de Javé e a implantação de seu Reino e soberania seria marcado por um grande banquete, o banquete messiânico.

À luz do Reino de Deus, pedir que o pão de amanhã seja partido hoje, ou que hoje possamos já saborear o pão de amanhã, é uma súplica pela antecipação do Reino. Pede-se que hoje eu já possa saborear o Reino. Em outras palavras, em nossa ação cotidiana, buscamos já poder sentir, discernir os “Sinais do Reino”, podemos já participar do Reino que está presente entre nós na forma de semente, que germina devagar sem que ninguém saiba como.


Pedir para saborear o pão de amanhã é pedir o discernimento para enxergar os sinais que apontam o Reino de Deus. Para enxergar isso, é necessário viver o compromisso com o Reino. Sem compromisso não há afinidade e, conseqüentemente, não há discernimento. Quando se está fritando um bife em uma frigideira perto, podemos, se conhecermos o sabor e apreciarmos carne frita, sentirmos o sabor do bife antecipadamente. Só sente o sabor do Reino aquele que conhece e aprecia o “sabor” dele.

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